Pages

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Entendendo a Educação Integral a partir de Anísio Teixeira

O LEGADO DE ANÍSIO
Maria José Rocha Lima
Falar sobre Anísio Teixeira significa reconstruir toda a trajetória da luta em defesa da escola pública, laica, gratuita e de qualidade no Brasil. Atual, ele inspira, orienta e ilumina os caminhos dos que só acreditam na democracia com um povo educado e preparado para governar e controlar quem governa.
Anísio, a rima certa entre teoria e prática, o desejo de transformar a realidade, dizia em 1947, em pronunciamento na Assembleia Legislativa da Bahia: "Não venho aqui sem certo constrangimento falar sobre educação, porque sobre isto quase tudo já se discutiu mas nunca se fez tão pouco num setor. Por isso, os educadores foram acometidos de um pudor pela palavra e um desespero mudo pela ação".
Quarenta e quatro anos depois, poderíamos repetir o pronunciamento de Anísio e estaríamos atualizados.
Destacamos ainda, nesse início, o apelo contido no Manifesto dos Pioneiros, em 1932: "Só existirá uma democracia no Brasil no dia em que se montar a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a escola pública. Mas não a escola pública sem prédios, sem asseio, sem higiene e sem mestres devidamente preparados, e, por conseguinte, sem eficiência e sem resultados. E sim a escola pública rica e eficiente, destinada a preparar o brasileiro para vencer e servir com eficiência dentro do país".
O alerta dos Pioneiros - Anísio, Paschoal Lemme, Fernando de Azevedo, entre outros - não foi ouvido pelo poder público e pelas elites brasileiras. O resultado é que, 59 anos depois, o país é considerado a "República da Ignorância": 8,5 milhões de crianças não ingressam no sistema educacional, há no Brasil 60 milhões de pessoas analfabetas ou semi-analfabetas, crianças e jovens saem do 1º grau sem saber ler e escrever corretamente.
Na Bahia, o quadro, estarrecedor, não foge à regra: 50% de analfabetos entre a população de 14 anos e mais; na zona rural 72% dos habitantes nunca freqüentaram escola ou não completaram sequer um ano de estudo. Em 1991, o déficit de atendimento no 1º grau é de 822.598 crianças. A previsão para o ano 2.000 é de cerca de 1 milhão fora do ensino de 1º grau, caso sejam mantidas as condições atuais da escola pública.
A Bahia lidera os índices de evasão e repetência: em 1980, havia 730.201 alunos matriculados na 1ª série. Em 1987, o número de matriculados na 8ª série era de 79.777. Portanto, só 10% conseguiram escapar do naufrágio. Ironicamente, a terra de Anísio, que defendia a escola integral, implantou o absurdo pedagógico do rodízio escolar - aula dia sim, dia não, e até uma só vez por mês - na rede pública!
O quadro dramático, aliado à realização de greves prolongadas e de conquistas modestas, além dos desgastes a que são submetidos os profissionais da área de educação junto aos pais de alunos, impõe às entidades sindicais a retomada do movimento de defesa da escola pública.
Inspirados nas lutas iniciadas pelos Pioneiros da Educação, surgem na Bahia, sob o comando da APLB-Sindicato; os movimentos SOS Educação, em 1985; Chega da Angústia na Educação, em 1986; Educação na Bahia - Caos/Quem Precisa Sabe que não Mudou, em 1987; Movimento em Defesa da Escola Pública Anísio Teixeira,em 1989; e, em 1990, instala-se o Tribunal Anísio Teixeira, com o objetivo de julgar os crimes cometidos contra a educação na Bahia.
Merecem destaque as discussões em torno da Assembléia Nacional Constituinte, em 1988, e da Constituinte baiana, em 1989. Há uma certa reprodução do debate travado na Constituinte de 1946 entre os educadores da Escola Nova - publicistas -, entre eles Anísio, e os privatistas, representados principalmente pela Igreja Católica.
As teses principais em confronto nas Constituintes federal e estadual foram privatização do ensino x escola pública e gratuita; verbas públicas para escolas particulares x recursos públicos exclusivamente para escolas públicas; sistema único x vários sistemas; ensino laico x ensino religioso; e manutenção da dicotomia teoria e prática x articulação entre educação e trabalho.
As nossas discussões referenciaram-se em Anísio. Após 59 anos do lançamento do Manifesto dos Pioneiros, seu pensamento encontra-se atual: "A gratuidade, extensiva a todas as instituições oficiais de educação, é um princípio igualitário que torna a educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade e estejam em condições de recebê-la".
Dizia Anísio Teixeira que o ensino obrigatório dever-se-ia "estender progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até aos 18 anos", porque a obrigatoriedade do ensino é "mais necessária ainda na sociedade moderna em que o industrialismo e o desejo da exploração humana sacrificam e violentam a criança e o jovem, cuja formação é freqüentemente impedida ou mutilada pela ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas".
As reflexões de Anísio enriqueceram as discussões acerca da jornada escolar. "Estendido o tempo da escola primária pelo dia letivo completo e pelos seis anos mínimos de estudos, teríamos a possibilidade de reorganizá-la para a educação de todos os alunos e não apenas dos poucos selecionados".
A preocupação de Anísio responde às necessidades atuais da educação brasileira. Senão, vejamos: os filhos dos ricos têm um turno na escola e, noutro turno, dispõem de banca e aulas de dança, línguas e esportes, além de livros, revistas e vídeos; os filhos dos trabalhadores contam apenas com minguadas três horas e meia de aula e no outro turno, como observava Anísio, "desaprendem o que aprenderam no turno anterior" - porque ficam soltos nas ruas.
Na última Constituinte Nacional, a discussão sobre orçamentos teve, também, a marca do grande educador baiano: "Essa nova escola pública - menina dos olhos de todas as verdadeiras democracias - não poderá existir no Brasil, se não mudarmos a nossa orientação a respeito dos orçamentos do ensino público". E acrescenta mais: "Precisamos (...) constituir fundos para a instrução pública, que estejam não só ao abrigo das contingências orçamentárias normais, como também permitam acréscimos sucessivos, independentemente das oscilações de critério político de nossos administradores".
Quanto à articulação teoria e prática, há, na obra de Anísio, esforço de aproximação entre educação e realidade (trabalho). "A escola primária deverá, assim, organizar-se para dar ao aluno (...) uma educação ambiciosa, integrada e integradora. Para tanto, precisa, primeiro, de tempo; tempo para se fazer uma escola de formação de hábitos (e não de adestramento para passar em exames) e de hábitos de vida, de comportamento, de trabalho e de julgamento moral e intelectual. A escola se organizará como local de atividades adequadas às idades, dentro de três setores que se conjugarão entre si, mutuamente, complementares e integrados: o do jogo, recreação e educação social e física; o do trabalho, em formas adequadas à idade; e o do estudo, em atividades de classe propriamente ditas".
Por último, os estudos da obra de Anísio Teixeira nos remeteram à discussão sobre a formação de professores: "Deveríamos elevar as escolas normais à categoria profissional (...) Não direi para torná-las, de chofre, de nível superior, mas para acentuar-lhes o espírito de formação nitidamente profissional".
Ele contribuiu para as discussões sobre critério, composição e função do Conselho Estadual de educação, no caso da Bahia em 1947, revelando um esforço de fazer com que este órgão colegiado tivesse caráter suprapartidário, aliado ao objetivo de democratizar de fato, a gestão da educação, retirando do Secretário de Educação e Cultura o poder absoluto de definição das políticas e de sua execução, dividindo as atribuições do titular da Pasta com os conselheiros.
O legado de Anísio Teixeira para a geração atual e as gerações futuras é de que "só pela escola se pode construir a democracia" e de que, "dada a absoluta penúria da escola pública, democracia é ainda uma palavra vã, usada para justificar a farsa triste de um sufrágio universal irrisório". (grifo nosso)

Anísio vive!

Nenhum comentário:

Postar um comentário