Faltavam dois anos para eu me tornar mãe quando recebi a maior lição
de como criar filhos. Essa informação não veio de um livro da lista dos mais
vendidos do New York Times, de um pediatra famoso nem de um pai
experiente. Veio de um menino de 10 anos, filho de mãe viciada em drogas, com
um plano de educação individualizada que tinha tantas páginas quanto uma
enciclopédia – um menino com cicatrizes permanentes no braço esquerdo por causa
de uma surra com um fio elétrico quando tinha 3 anos. Kyle* me ensinou a única
coisa que eu realmente precisava saber sobre amar uma criança nas dificuldades
da vida: estar presente.
Fora uma mudança difícil. Eu deixara a família e os amigos em
Indiana, o estado querido onde tinha morado quase a vida inteira. Meu novo lar
na Flórida ficava a milhares de quilômetros de tudo o que eu conhecia. Fazia
muito calor o tempo todo. Era difícil arranjar emprego, mas eu estava disposta
a qualquer desafio.
Aceitei o cargo de professora de alunos de 6 a 12 anos com graves
dificuldades de aprendizagem e comportamento, que tinham passagem por várias
escolas. Até então nenhum programa do distrito conseguira atender às suas
necessidades. Outra professora e eu tínhamos passado semanas ensinando às
crianças o comportamento apropriado em público. Naquele dia específico,
jogaríamos golfe em miniatura e almoçaríamos num restaurante. Milagrosamente,
apenas alguns alunos, entre os quais Kyle, não tinham merecido o privilégio de
ir. Ele estava decidido a fazer com que todos soubessem do seu desapontamento.
No corredor entre as salas de aula, Kyle começou a gritar,
praguejar, cuspir e derrubar tudo o que estivesse ao seu alcance. Assim que a
explosão passou, ele fez o que sempre fizera ao se zangar em todas as outras
escolas, em casa e até, certa vez, num centro de detenção juvenil. Fugiu.
A multidão de espectadores que se reunira durante a cena observou
com descrença Kyle atravessar correndo o intenso tráfego matutino diante da
escola. Ouvi alguém gritar:
– Chamem a polícia!
Mas não consegui ficar ali parada. Corri atrás dele. Kyle era
pelo menos um palmo e meio mais alto que eu. E veloz. Os irmãos mais velhos
eram astros na pista de corrida da escola secundária vizinha. Mas eu calçara
tênis para o passeio e era capaz de correr longas distâncias sem me cansar. Pelo
menos conseguiria ficar de olho nele para ver se estava vivo.
Depois de vários quarteirões correndo no sentido contrário ao
trânsito, Kyle desacelerou o ritmo. Embora ainda fosse cedo, o sol tropical
atingia em cheio o asfalto negro. Ele dobrou à esquerda e começou a andar
por uma galeria de lojas dilapidada. Ao lado de um compactador de lixo, Kyle
abaixou o corpo, as mãos nos joelhos. Ofegava para recuperar o fôlego quando me
viu. Eu devia estar ridícula: a frente da blusa encharcada de suor, o cabelo
antes arrumado agora grudado no rosto corado como beterraba. Ele se levantou de
repente como um animal assustado.
Mas o olhar não era de medo. Vi seu corpo relaxar. Ele não tentou
correr de novo. Ficou ali parado e observou minha aproximação. Eu não fazia
ideia do que diria ou faria, mas continuei chegando mais perto.
Nossos olhos não se desviaram e, do fundo do coração, enviei toda a
minha compaixão e compreensão na direção dos seus olhos. Quando ele abriu a
boca para falar, um carro de polícia parou de repente, preenchendo o espaço
entre nós dois. O diretor da escola e um policial saíram do carro. Conversaram
calmamente com Kyle, que entrou de boa vontade no banco de trás do veículo. Não
consegui ouvir o que foi dito, mas não tirei os olhos do rosto de Kyle, nem
quando eles se afastaram.
Não consegui deixar de sentir que falhara, que deveria ter feito ou
dito mais, que deveria ter dado um jeito na situação. Contei tudo o que
senti a uma psicoterapeuta que conhecia bem a história de Kyle. “Ninguém jamais
correu atrás dele, Rachel”, foi o que ela disse. “Ninguém. Todos o deixam ir
embora.”
Kyle acabou voltando à escola, e logo notei que, quando podia
escolher o professor com quem deveria trabalhar ou que precisaria acompanhá-lo
em aulas especiais, ele me escolhia. Nas semanas seguintes, vivia colado em
mim, obedecendo às instruções, tentando fazer os deveres e, de vez em quando,
até sorrindo. Para uma criança com problemas graves de ligação afetuosa, era
espantoso que estivesse desenvolvendo um vínculo comigo.
Certo dia, Kyle segurou a minha mão inesperadamente. Não era comum
que um garoto da sua idade e do seu tamanho pegasse a mão da professora, mas eu
sabia que devia me comportar como se fosse a coisa mais normal do mundo. Ele se
inclinou para a frente e disse baixinho algo que nunca esquecerei. “Dona
Rachel, amo a senhora”, sussurrou. “Eu nunca disse isso a ninguém.”
Parte de mim queria perguntar: “Por que eu?” Mas simplesmente
apreciei o momento, uma mudança inimaginável para uma criança cuja ficha continha
as seguintes palavras: “Incapaz de exprimir amor e de manter relações afetivas
com outros seres humanos.”
A situação mudou no dia em que ele fugiu e corri atrás dele, embora
eu não tivesse as palavras certas, nem tivesse conseguido salvá-lo da encrenca
em que se metera. Foi o dia em que não desisti, em que decidi não pensar
simplesmente que ele era rápido demais, que era perda de tempo e esforço, que
era uma causa perdida. Foi o dia em que o mero estar presente bastou para fazer
uma profunda diferença.
A escritora e palestrante Rachel MacyStafford mora no Alabama,
Estados Unidos, com o marido e as duas filhas.
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